As audiências em relação ao processo Scripta Manent encontram-se a decorrer ( Março a Julho). As reflexões que se seguem – da autoria da companheira anarquista Anna Beniamino – publicadas em Março, são datadas de Janeiro de 2018.
Assim é…se lhe parece.
Reflexões e atualizações em relação ao processo Scripta Manent
Não há grandes reflexões a fazer a propósito dum episódio repressivo (basicamente é sobre o jogo simples e cíclico da ação e reação), nem sobre as manigâncias da repressão, outra coisa bem conhecida; no máximo algumas observações sobre o desenvolvimento das suas técnicas e estratégias.
É o que vou tentar fazer aqui – mais de um ano depois das detenções – após a abertura do julgamento, o qual abriu uma brecha na bolha de censura e permitiu descobrir os arquivos da Procuradoria na complexidade da sua miséria. Isto depois do breve relatório aparecido na última edição da Croce Nera [Croce Nera Anarchica, nº 3 de Fevereiro de 2017] e os desenvolvimentos que ocorreram entre o fecho do processo e a audiência preliminar [de Julho de 2016].
No entanto, antes de qualquer comentário, quero reafirmar, simplesmente, o meu orgulho na anarquia e anarquistas – o que me permitiu alimentar com a solidariedade, feita de ações, escritos, de raiva que se recuperou para além dos portões e de prisão em prisão, mostrando novamente quanto a tensão anarquista está viva, atual e capaz de zombar das categorias e ir além dos limites que a repressão nos quer impor, ao desistir do peso dos medos e do mito do consenso.
Sempre pensei que a anarquia é uma coisa séria, se praticada por mulheres e homens fornecidxs da razão e, instintivamente, de algo que – quando o poder os bloqueia nas suas gaiolas – recai sobre ele e transforma em força as fraquezas que ele gostaria de nos insuflar. Estamos aqui por causa disso, num jogo de dados sem fim, entre a autoridade e a sua negação.
Além disso, era bem claro para mim que a anarquia tinha o privilégio indiscutível de poder se apoiar numa base filosófica poderosa, histórica e cultural, além dum instinto atávico para a negação – elementos que ainda hoje se misturam num conjunto eficaz de receitas destrutivas.
«A anarquia é poderosa, quando quer», enfatiza o companheiro anarquista Panagiotis Argirou na sua declaração, no verão passado, em solidariedade às pessoas presas no G20 em Hamburgo.
A ideia anarquista continua a ser um problema para a autoridade, mostrando aos espíritos livres o aspecto concreto que está na negação desta última.
Mas não quero criar mal-entendidos: não há processos simples contra ideias. Quando a repressão ataca é sempre como resultado de factos, ações específicas que minam a pacificação social – que é difusa e acostumada a controlar, tão típica desses tempos.
Ação e reação: mete-se em andamento processos contra anarquistas, pelo que estxs anarquistas são: inimigos do Estado.
A repressão – tal como a codificação e a aplicação do código penal que vêm a seguir – muda de forma e adapta-se segundo os riscos e o grau de perigosidade do confronto em curso: pode avançar com uma ferocidade vingadora, fazendo tábua rasa de tudo o que ela encontra no seu caminho, ou com um certo paternalismo até, ou com todo um painel de nuances intermédias. Por vezes são xs refratárixs, eles próprios, que dão o ritmo da ação, às vezes são elxs que sofrem golpes repressivos – e respondem. Muitas vezes são elxs que se queixam de não se mexerem – a não ser quando são encurraladxs pela repressão, em vez de atacarem os primeiros.
No entanto, deve-se ter presente que receber golpes não significa ser as «vítimas».
É provável que a «vítima da repressão» seja um papel já muito antigo, confortável para alguns no teatro da democracia – um rótulo falso e desagradável que produziu o pietismo e não uma consciência combativa.
É lá que se situa a importância destes tempos: na nova (ou renovada) consciência de ser um objeto contundente, portador de germes subversivos se se quiser – não apenas no interior de um “meio” estreito, mas também para se apresentar de forma social ou anti-social, de acordo com cada um/a – como orgulhosxs portadorxs de intensa crítica da era da dominação tecnológica, controlo e homologação geral.
Despir o imperador e montar as suas partes escondidas foi – e continua a ser hoje tal como no passado – alguma coisa que provoca a repressão, seja com os velhos ou com novos instrumentos. As categorias ridículas do Código Penal – desculpas, provocações, associações – visam impressionar o tecido que conecta pensamento e ação: a solidariedade.
Não podemos nos permitir ser surpreendidos com isso; há mais de um século, existiram associações de malfeitores e a autoridade real mandou fechar os jornais e perseguiu xs subversivxs e as suas reuniões, vigiava os lugares mal afamados onde estavam a reunir-se. Hoje monitorizam também a tela e as telecomunicações.
Ao contrário do passado, o controlo tornou-se invasivo devido ao advento de novos dispositivos tecnológicos – algo que é frequentemente acompanhado por uma consciência e uma confiança menos fortes no seu próprio potencial e possibilidades de se lhe opor [ao controlo].
Modelos e técnicas repressivas são reintroduzidos e modernizados (às vezes nem mesmo isso), usados se necessário; actualmente, são usados para conter ou tentar conter uma efervescência inegável nos meios anarquistas, entre outras coisas.
Constatar isso não significa parar como animais aterrorizados, porque surpreendidos com os faróis de um camião que chega em alta velocidade, ou se jogar – mãos e pés amarrados – na boca do monstro, persuadidxs de sua inevitável voracidade. Mas sim uma mudança de perspectiva: aspirar, hoje e sempre, ser um bocado indigesto, sem tombar na paranóia de ver uma omnisciência e um todo-poderoso poder, onde muitas vezes não há estratégia geral, mas um emaranhado informe de interesses de carreira que surge em contraste e orientação alheias às de funcionários mais ou menos zelosos.
Não devemos esquecer o factor humano, mesmo na sua forma mais débil, como uma papelada de comissariado, a qual – ao voar e distorcer pedaços das nossas vidas – nos mostra um amplo panorama da miséria da sua existência.
Começando pelo fim: da associação ao incitamento e vice-versa.
Com a notificação do encerramento do dossier, em Abril de 2017 – para pessoas presas e outrxs acusadxs de Setembro de 2017 – além das ofensas de que já são acusadxs, foi adicionado, para 12 dos primeiros 17 acusadxs, este 414 C.p. (incitamento a crimes e delitos) com o objetivo de terrorismo, como redactores e / ou difusores da Croce Nera, o boletim em papel e o blog – referindo explicitamente para publicações e artigos do n °s 0 a 3. Sinal dos tempos, a ofensa de incitamento é agravada «por ter cometido os fatos através de instrumentos de informática e telecomunicações».
Além disso, em 2 de Junho de 2017, com um timing bastante oportuno em comparação com a audiência preliminar de 5 de Junho, o efeito bola de neve da repressão levou mais outros 7 companheirxs – estxs embora acusadxs permanecem livres até ao julgamento- por 270 bis [Associação para fins de terrorismo] e 414 C.p, enquanto redatores (ou não) de Croce Nera, do blog RadioAzione e de Anarhija.info.
Isto além de se acusar 2 destes de 280 C.p [ato de terrorismo com engrenagens que podem causar a morte] por causa da descoberta – durante as perseguições de Setembro de 2016 – junto com outros textos publicados em Croce Nera, de uma cópia da reivindicação de ataque contra o tribunal de Civitavecchia, em Janeiro de 2016, pelo Comité de Pirotecnia por um ano extraordinário – FAI / FRI.
A seguir à audiência preliminar, as duas partes da investigação foram fundidas e todos os acompanhantes foram enviados para julgamento, permanecendo inalteradas as diferentes acusações. Após quase um ano de controlo obsessivo (com bloqueios e sequestro sistemático do correio dxs prisioneirxs, passou diretamente aos arquivos do Gabinete do Procurador sendo adicionado ao processo na audiência preliminar), pois o ministério público e a polícia – através de vigilância electrónica à solidariedade – conseguiram fazer sair uma medida punitiva contra xs companheirxs que mantiveram contacto com xs prisioneirxs e prosseguiram a atividade editorial.
O fato de usarem os artigos 270bis e 414 C.p. juntos está a tornar-se uma rotina, nas suas estratégias, se olharmos para o que foi feito com o julgamento do processo Shadow, em Perugia, e o uso que se faz dele neste processo.
Sem esquecer a intensificação, nos últimos anos, do “único” uso dos 414 C.p. – sem o usarem mais do que como complemento às acusações de associação para atacar qualquer escrito que “defenda” a ação anarquista – como ferramenta maleável destinada a sufocar as chamas das palavras e ações solidárias.
Também se deve acrescentar que os pequenos truques dos polícias não impressionaram ninguém.
Alvará reciclável….a estrutura do inquérito
Talvez os escritos permaneçam, mas em relação ao Scripta Manent a base e os DIGOS de Turim realmente não queriam jogar nada fora. Saíram do antigo cemitério de velharias os processos passados e classificados, mastigados e cuspidos de 20 anos de vigilância e repressão:
– O processo ORAI (também chamado de processo do Marini, investigação do ROS, Roma) de 1995 ;
– A investigação do ataque ao Palazzo Marino [a sede da Câmara Municipal] em Milão, 1997, por Azione Rivoluzionaria Anarchica;
– A investigação de Solidarietà Internazionale (pelo procurador Dambruoso, investigação conduzida pelo DIGOS, Milão), arquivado em 2000;
– A operação Croce Nera (processo do Piazzi, liderada pelo ROS, Bolonha), que meteu na prisão, em 2005, os redatores da Croce Nera da época, arquivado num curto espaço de tempo;
– A investigação sobre um pacote incendiário enviado ao comissário-chefe do Lecce em 2005, assinado por Narodnaja Volja / FAI;
– A investigação sobre o ataque ao quartel dos Carabinieri de Fossano e os pacotes incendiários assinados pela FAI / RAT [Rivolta Anonima e Tremenda], 2006 (processo do Tatangelo, ROS, Turim), arquivado em 2008;
– A investigação de pacotes incendiários e o ataque na área de Crocetta, em Turim, em 2007, assinados pela FAI / RAT (processo do Tatangelo, DIGOS, Turim), arquivado em 2009;
– A operação Shadow (Processo do Comodi, Digos, Turim) começada em 2009 para 270bis [associação para fins de terrorismo], 280 [ato de terrorismo com mecanismos que podem causar a morte], concluída em 2016 com condenações por 414 C.p. para o boletim KNO3 e 2 condenações por roubo de carro e tentativa de sabotagem de caminho de ferro;
– A operação Ardire (processo do Comodi, ROS, Perugia), começada em 2010, com 8 pessoas em prisão preventiva em 2012, o dossier foi inteiramente transferido para o da Scripta Manent, por passagem e jurisdição territorial, primeiro em Milão, depois em Turim;
– As investigações Kontro, Replay, Sisters, Tortuga (proc.do Manotti, ROS, Génova) sobre os ataques às casernas dos Carabinieri em Génova, o R.I.S. [Reparto Investigazioni Scientifiche, a “polícia científica” dos Carabinieri] de Parma, em 2005, e outros ataques;
– As investigações Evoluzione e Evoluzione II (Procuradores Musto e Milita, ROS, Nápoles), começadas em 2012 com o ataque a Adinolfi, até que “evoluem” para vigilância dos blogs RadioAzione e RadioAzione Croazia;
– A investigação Moto (processo de Franz e Piacente, ROS, Génova), que levou, em 2012, à prisão de Nicola Gai e Alfredo Cospito;
– A investigação do pacote-bomba contra a Equitalia (processo Cennicola e Polino, DiIGOS, Roma) de 2011, reaberta em 2014;
– A investigação sobre o ataque ao tribunal de Civitavecchia e os cocktails Molotov contra o Quartel dos Carabinieri em Civitavecchia em 2016 (processo do Cennicola, ROS, Roma).
Esta longa lista foi feita pela leitura na diagonal do índice [do processo Scripta Manent]; esquecendo seguramente certas coisas – sem listar outras vigilâncias e arquivos passados de uma investigação para outra, de um município para outro, quantas vezes fonte de batalhas para obter jurisdição territorial, através de combinações possibilitadas pela formulação de delito associativo.
A estratégia por trás de tudo isto é bastante visível e a pilha de papel, ainda que contraditória, torna-se sugestiva. Isto considerando que são injetadas nos registros do Scripta Manent, quase inteiramente, as actas dos processos acima enumerados, para além das basófias do par Sparagna / DIGOS de Turim, que só à sua conta fez 206, e alguns arquivos de actos judiciais.
Registo e seleção: centenas de nomes e CVs, episódios de subversão no dia a dia indexados, seccionados e recompostos ad hoc. Trajectórias existenciais, fragmentos de discussão e periódicos publicados sobrepostos à interpretação (discordantes segundo o controlador de serviço), acrobacias espaço – temporais, estudos comportamentais dignos de Lombroso. Esta não é seguramente a primeira vez que isso acontece – tal como a tentativa bem experimentada já de dividir entre “bons e maus” e a definição da imprensa anarquista como “clandestina” e preparatória à «associação».
Acontece frequentemente – eu mesma faço isso – fazemos ironia dos consideráveis fios de embrulho e das contradições evidentes nos arquivos judiciais; esquecemos, no entanto, que há nisso uma consciente arrogância de poder.
Além dos resultados, grandes ou pequenos, o aparelho repressivo está bem ciente da latitude que as suas operações anti-terrorismo lhe dão. Vigiar e punir…acompanhamento aprofundado de contactos, reações, tentativas de pressão sobre o “frágil” e amplitude da solidariedade, longas detenções preventivas…
No entanto, acredito que as análises que tendem a ver a repressão contra certos sectores do movimento – como laboratório onde testar técnicas repressivas a expandir aos mais amplos sectores sociais – são míopes e erróneas. Há lá uma presunção paternalista, ainda que ingénua – além da tentativa de encontrar consensos, através do cimento da luta contra a repressão – na morna dissensão destes anos.
O uso da cenoura e do pau, pelo contrário, é muito mais articulado e sorrateiro.
O poder não precisa de testar in vitro a repressão sobre os anarquistas; simplesmente usa contra os anarquistas um pouco da violência desdobrada muito mais violentamente algures: o Estado não se preocupa por treinar bandos de mercenários armados para defender as suas fronteiras e interesses, de afogar todos os dias milhares de seres humanos, de usar o seu território para ofensas simples de opinião (basta clicar na página do primeiro idiota dos fundamentalistas religiosos do século XXI para acabar amordaçado no primeiro voo).
Por enquanto, a repressão espalha-se a punições muito diversas e está bem ciente por onde pode expandir-se cegamente, com a ampla cobertura escravizada dos media. Sem esquecer que, mesmo nos sectores do movimento, as frases “exemplares” não faltam.
Acontece que, muitas vezes, são xs companheirxs xs mais atentxs e conscientes da repressão. Não é por acaso que é no movimento que mais se presta atenção à evolução das técnicas de registo, controle, vigilância e de manipulação do consenso.
Psico-antropologia do comissariado
Num cenário onde tudo é baseado em inferências/especulações, manuseiam-se doses maciças de estudo comportamental para dar sentido a tudo isto. A consciência da omnipresente vigilância policial invasiva – e o que fazer para se subtrair a ela – torna-se significativa em si mesma.
Existem práticas correntes nos círculos do movimento – práticas essas que são mesmo difundidas socialmente – pelas mais diferentes razões: falar de forma evasiva ao telefone ou usá-lo de forma limitada, não da maneira compulsiva como faria o guia do perfeito cidadão-consumidor; prestar atenção para ver se se é seguido a pé; procurar microfones e câmaras em casa, no carro e no seu local de trabalho; prestar atenção à vigilância de telecomunicações, apenas para dar alguns exemplos.
Após alguns anos, também ficamos a conhecer as interpretações oportunistas da bófia em relação aos encontros com amigos e companheirxs e a participação, por vezes, nos momentos de ajuntamento do movimento: de acordo com o acórdão sem recurso do serviço de voyeur, estamos muito ou muito pouco presentes.
Também conhecemos a paixão dos “apêndices” para realizar qualquer atividade, viagem ou pequena excursão como «encontro entre cúmplices» (o excesso de zelo do esbirro piemontês a tomar forma em longas reportagens em vídeo na praia na Ligúria, em meados de Agosto, com percursos de natação até a bóia que vão tornar-se «reuniões reservadas»).
Agora, na intersecção perfeita entre psicopolicial e comédia italiana, é a ausência que se torna evocativa: ausência física, falta de telefonemas e contactos. Isso não está relacionado, na tese acusadora, a um evento ou ação em particular, mas [que é sugestivo para a polícia] é o próprio fato de fugir do controlo, mais especificamente não sendo vigiado passo a passo, e não está claro se isso depende da vontade das pessoas que estão a ser vigiadas ou da incapacidade óbvia daqueles.
Demasiada irónico? Talvez, uma vez que a realidade é feita de uma vigilância obsessiva e perturbadora: buscas improvisadas para esconder a intervenção de microfones escondidos em casa que não funcionam bem, vigilância e radiografia dos correios, com a recolha de encomendas directamente de caixas de correio ou correios, cópias de chaves para entrar em locais de trabalho sem o conhecimento de pessoas sob investigação, câmaras escondidas em locais públicos considerados como “objectivos potenciais”.
Aqui estão alguns exemplos de um aplicação bastante densa de vigilância, além de métodos mais tradicionais: telefones sob escuta há vários anos, microfones em casa e nos locais de trabalho, GPS em carros, câmaras a apontar para a entrada da casa, adega, local de trabalho, controlos cruzados de chamadas telefónicas e posicionamento geográfico de computadores portáveis, perseguições a pé com fotos e vídeos, intercepção de correios e escutas através dos microfones dos computadores.
Em seguida e para se ficar ainda mais embrulhado na ilusão tecnológica e (pseudo)científica do novo milénio, um florescimento de estatísticas, diagramas, percentagens, cruzamento de dados mais curiosos: quantas vezes as pessoas sob investigação foram vistas ao longo dos anos (… até em casa, entre membros da mesma família ou pessoas que moram juntas, e mesmo durante os processos em que estiveram envolvidos, e quantas vezes se reencontraram…os seus telefones; em que dias da semana chegam as bombas empacotadas; quais as cidades mais afectadas por ataques; que palavras usam, preferencialmente, os anarquistas…mas aqui vamos além do estudo estatístico – sociológico -comportamental e para outro pilar do tribunal…
A sugestão de uma peritagem
Neste caso [montagem policial] o que chama a atenção é a evidência de uma técnica de remendos com o objetivo de colar delitos precisos a certos acusadxs. Para dar substância aos pressupostos da acusação há um uso maciço de peritagens gráficas – linguístico – estilísticas, a fim de atribuir a alguns acusados a escrita de certos textos de reivindicação.
Explicado que é desta maneira pode parecer até uma coisa séria (e é este o caso, quando serve como desculpa para detenção preventiva), mas quando descobrimos o conhecimento moderno – que usa a tecnologia e o espírito humano – podemos ver a que ponto os métodos utilizados são manobráveis ao seu desejo, questionáveis e com resultados aleatórios.
Deste ponto de vista, é bem clara a escolha de se continuar nisto, ignorando com conhecimento de causa os resultados que contradizem a tese escolhida: de um só golpe as comparações que levem a resultados negativos são ignoradas e em seu lugar retalham-se os textos de modo a adaptá-los ao que se estava à procura. Palavras de uso comum ou próprias da linguagem político-poética-anarquista tornam-se caracterizantes a um ponto que – já no paradoxo de correspondências – estão cheias de atribuições… ou seja que dali saem tantos disparates que estes vão mesmo para além das acusações.
A máquina da repressão está bem consciente da inconsistência de certas comparações e peritagens – admitindo-o, até – mas também se encontra consciente de que o uso do ADN e outros conhecimentos técnico-científico foi “refogado” para a opinião pública como tecnologia segura e indiscutível, tal como se o tenta usar no tribunal.
Na realidade, os exemplos de manipulação de erros e/ou de aproximações (e até a jurisprudência agora é obrigada a admitir isso, depois dos primeiros anos de uso “acrítico” e de qualquer traço biológico). Podemos ver alguns exemplos recentes disso, um pouco por todo o mundo, em ações judiciais contra companheirxs.
Desta colheita compulsiva de material e confrontações cruzadas podem-se, no entanto, encontrar algumas informações sobre a sua colheita e utilizações sistemáticas.
O DAP [Dipartimento Amministrazione Penitenziaria, corresponde à Administração Prisional] oferece-se como fonte – além de identificar fotos e impressões digitais a que se pode juntar vestígios de prisões passadas, fornecendo ficheiros pessoais e traços gráficos de todos os anarquistas que passaram pelas masmorras italianas – surgindo mesmo dos seus arquivos o correio, as instâncias judiciais, os pedidos à administração, etc. Se o caso não foi por detenção ou perseguição, chegam mesmo a esgravatar nos arquivos municipais.
Há mais de dez anos que utilizam múltiplas bases de dados de ADN – alimentadas não só com assuntos embarcados – vindos das buscas por ordem judicial – mas também conservando amostras e fazendo comparações cruzadas de partes delas por convicção, em posse de diferentes arquivos [policiais e/ou judiciais].
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Aquilo que acabei de descrever não aborda mais do que alguns dos aspectos – a desenvolver e a serem alvo de reflexão, portanto. O que resta é o facto da sua ausência [do controlo], num contexto onde os procedimentos repressivos são vasos de comunicação, se tornar um motivo para se ser acusadx. A solidariedade é uma prova agravante e, se a operação Scripta Manent visava atingir alguns anarquistas, pode-se dizer que, até como desforra disso, aumentou a solidariedade e a consciência. E que aquilo tudo, ao fim e ao cabo – apesar do tão pequeno pedaço de céu que eu agora posso ver – nada mais faz do que me devolver o sorriso.
Anna
Roma, Janeiro de 2018
[translated by ContraInfo]